Existe uma estrutura que muitos psicólogos temem!
- Felipe Uenge
- 31 de mai. de 2019
- 16 min de leitura

Existe uma estrutura que muitos psicólogos temem, sua complexidade deixa muitas lacunas e mergulhar nessa estrutura tem sua "consequências".
Seja bem vindo ao meu artigo espero que se aprofunde no assunto...
PERVERSÃO:
A estrutura perversa relacionada ao consumo contemporâneo.
RESUMO:
O presente projeto de pesquisa tem como objetivo explorar um conceito sobre a perversão tendo como recorte estudos abordados na contemporaneidade.A perversão nunca deixou de ser um tema discutido na psicanálise, porém nossa sociedade atual emprega um conceito negativo baseado no senso comum. Para a execução da pesquisa, tivemos como fonte artigos psicanalíticos e livros cujo temas refere-se a perversão, partindo do pressuposto histórico para a ideia de estrutura clinica atual.Para análise do material encontrado, foram criadas as seguintes categorias temáticas: “Estrutura clínica da perversão ao longo do tempo” e “Visão psicanalítica de um consumo contemporâneo perverso”, com os estudos percebemos que até o capitalismo tem forte influência na demanda perversa.
PALAVRAS-CHAVE:
Perversão, Contemporaneidade, Psicanálise, consumo, capitalismo.
ABSTRACT:
The present research project aims to explore a concept about perversion with as cut contemporary studies addressed. Perversion has never ceased to be a subject discussed in psychoanalysis, but our present society employs a negative concept based on common sense.For the execution of the research, we had as a source psychoanalytical articles and books whose themes refer to perversion, starting from the historical assumption for the idea of current clinical structure.For the analysis of the material found, thematic categories were created: "Clinical structure of perversion over time" and "Psychoanalytic vision of contemporary perverse consumption", with studies we realize that even capitalism has a strong influence on perverse demand.
KEY WORDS:
Perversion, Contemporaneity, Psychoanalysis, consumption, capitalism.
INTRODUÇÃO:
Antes dos anos de 1870, a patologia reconhecia se resumia ao distúrbio do comportamento.
As noções de perversões sexuais eram ligadas aos pacientes psiquiátricos que no campo pericial os mesmos cometiam atos considerados “monstruosos” como a necrofilia, pedofilia e assassinatos sádicos. Morel (1857) vai enquadra-las nas “loucuras” hereditárias, as perversões de instintos genésicas e Esquirol, estudando tais comportamentos, os agrupou sob o termo “monomanias instintuais” no qual o doente é arrastado para atos que a razão e o sentimento não determinam que a consciência reprove e que a vontade já não tem força para reprimir. Juristas e juízes criticaram-na como um possível álibi fornecido aos criminosos. Nessa época a psiquiatria estava adquirindo um espaço no campo da jurisdição legal(VALAS, 1990, p. 11).
Mas Krafft-Ebing (1879) foi o que mais influenciou o estudo da sexualidade, durante muito tempo se debruçou em conhecer as formas de desvios sexuais. O seu livro Psicopatia Sexual (1955), teve sucessivas edições, tornando-se referência obrigatória. Ele dividiu as anomalias do instinto sexual em quatro classes: anestesia, hiperestesia, paradoxa e parestesia. Assim, resumiu de maneira didática todas as alterações instintivas possíveis. No plano etiológico, deixou a teoria da hereditariedade e tomou as perversões como sendo de natureza congênita ou derivada de processos degenerativos cerebrais, em oposição as perversões adquiridas. A. Binet, no trabalho intitulado Fétichisme I’ amour (1887) reconhece que a hereditariedade se relaciona com a constituição da perversão e no debate sobre as perversões a contribuição de Freud se torna um marco.
Em seguida nos próximos tópicos disponibilizamos uma revisão do conceito de perversão em uma visão Freudiana e Lacaniana, onde trará um melhor entendimento ao leitor. Abordaremos também um conceito contemporâneo onde podemos entender a perversão como um conjunto de comportamentos que buscam prazeres de forma contínua.
Nossa pesquisa aborda um método bibliográfico, onde partiremos de investigações para elaboração de fatos ou fenômenos cuja causa desejamos conhecer, utilizando-se de livros e artigos psicanalíticos. Sobre o tema foi feita uma pesquisa em livros que abordam o assunto, sendo adquiridos alguns livros de grande relevância para pesquisas, entre eles destacam-se “Freud e a perversão” (1997),“Neurose, psicose e perversão” (2016), “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), entre outros autores especializados em psicanalise. Vejamos pois:
Estrutura clínica da perversão ao longo do tempo:
A visão Freudiana em perversão inicialmente era um pensamento de julgamento moral, do que de um olhar de homem de ciência, parecia que Freud estava de bom grado com a visão clássica, como se não quisesse entrar em conflitos com os trabalhos desenvolvidos da época. Em sua correspondência a Fliess (1897) usa muito o termo degenerescência e bestialidade para designar ao comportamento perverso, esse ponto de vista ainda parcial sobre a perversão acomoda Freud por algum tempo. Ainda em seu debate com Fliess, na carta 125, Freud distingue a histeria, a paranoia e a perversão:
A histeria (como sua variante, a neurose obsessiva) é alo-erótica, e está ligada a uma identificação com a pessoa amada. A paranoia se caracteriza por um impulso auto-erótico e um retorno a uma situação da infância, pela ruptura das identificações e despedaçamento do eu. A perversão é determinada por um impulso auto-erótico e um retorno à loucura original. As relações entre auto-erotismo e eu primitivo a esclareceriam. Nesta carta, a perversão é, pois, apresentada como uma regressão, ligada a uma interrupção do desenvolvimento do aparelho psíquico (VALAS, 1990, P.18).
É esta classificação da perversão com a paranoia e a histeria que dará um novo sentido sobre até então as teses defendidas na época. A partir desses conceitos Freud refinará ainda mais seus estudos aonde vão surgindo novas elaborações, Freud vai destacá-las pouco a pouco essas noções confusas para lhe dar uma estrutura específica, distinta da neurose e da psicose. (VALAS, 1990, p. 17).
A primeira teorização mais elaborada sobre a perversão se dá nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), e é marcada pelo contraponto neurose/negativo, perversão/positivo. De forma simplificada, poderíamos dizer que, neste momento, Freud entende a perversão como “a manutenção da sexualidade perverso-polimorfa na vida adulta” (Ferraz, 2002, 27). Ou seja, nos Três ensaios, sobretudo no intitulado A sexualidade infantil, a perversão é definida como a fixação em uma das manifestações da polimorfa sexual infantil – fixação em uma pulsão parcial. A sexualidade genital não é alcançada e a sexualidade adulta fica restrita a uma forma parcial de satisfação.
Freud faz novas e importantes considerações sobre as perversões que não foram tratadas nos ensaios presentes. As posições freudianas em relação aos capítulos anteriores são inovadoras. A perversão, que até então fora teorizada como resultado da fixação da libido decorrente de um excesso de gratificação, ganha outra origem possível:
Uma fraqueza constitucional da zona genital faz com que a conjugação esperada das pulsões parciais na zona genital na puberdade fracasse e o mais forte dos demais componentes da sexualidade continuará a sua atividade como uma perversão (FREUD, 1905, P.244).
Não é um dado simples, mas à medida que vamos caminhando para tal entendimento vai clarificando a noção entre perversão e neurose. E todo esse desmembramento ganha formas em seus menores detalhes, mas sem dúvida um entendimento, mas promissor e fecundo e o de que: A fantasia perversa é inconsciente na neurose, e consciente na perversão.
Estudamos também, a passagem sobre a qual, curiosamente, parece não ter recebido a atenção que merece. Em 1915 Freud decidiu fazer modificações nas suas concepções relacionadas a perversão, tendo uma nova teoria sobre o narcisismo, a segunda tópica e a elaboração da diferença sexual. Tirando a ideia de perversões sexuais para a uma possível organização da perversão, como modelo da elaboração do eu.
Em 1927, Freud abordou assuntos no qual falava sobre a renegação vinda do Fetichismo, dizendo que nessa forma perversa o sujeito relacionava 2 realidades: A de recusa e o reconhecimento da mãe não ter pênis. Partindo disso uma clivagem do eu, que caracteriza a psicose igualmente como a perversão. Iniciando-se ai, a perversão entra em uma estrutura tripartite. Bem ao lado da psicose, denominada como uma reconstrução de uma realidade alucinatória e da neurose, trazendo um conflito interno oriundo de um recalque, aparecendo como uma renegação da castração fixada na sexualidade infantil. Com isso, Freud saiu da ideia de uma perversão sexual, teorizando um mecanismo geral da perversão, que não era só uma predisposição polimorfa de uma sexualidade infantil, e sim consequências das atitudes de uma pessoa no seu confronto com a diferença sexual estudadas de 1905 à 1927.
Após Freud, as publicações psicanalíticas sobre o fenômeno perverso variam significativamente de um modelo teórico a outro, deixando clara a falta de consenso relativo à compreensão desta expressão da sexualidade.
A desarmonia entre as diferentes escolas de psicanálise, tanto no uso da palavra perversão, quanto a compreensão do fenômeno é tão conhecida que dispensa comentários. Cada modelo clínico propõe uma interpretação diferente direcionando a escuta e, consequentemente, a direção do tratamento desta manifestação da sexualidade. Tanto autores da Escola Inglesa (Khan, 1979), quanto da Americana (Stoller, 1975), relatam acompanhamentos clínicos de sujeitos perversos cujos resultados foram considerados, por esses autores, como satisfatórios. Já a Escola Francesa de Jacques Lacan entende a perversão como uma estrutura que resiste ao trabalho analítico.
O perverso em si é aquele que faz com que a sua angústia passe para o outro, ou seja, lida de forma tão tranquila com suas questões que ele terceiriza a sua angústia. Essa terceirização é usada frequentemente pelo perverso e pode ocorrer também através de objetos ou o corpo, para que o outro se angústia e não propriamente o perverso.
Nos últimos anos tive oportunidade de estudar analiticamente certo número de homens cuja escolha objetal era dominada por um fetiche. Não é preciso esperar que essas pessoas venham à análise por causa de seu fetiche, pois, embora sem dúvida ele seja reconhecido por seus adeptos como uma anormalidade, raramente é sentido por eles como o sintoma de uma doença que se faça acompanhar por sofrimento. Via de regra, mostram-se inteiramente satisfeitos com ele, ou até mesmo louvam o modo pelo qual lhes facilita a vida erótica. Via de regra, portanto, o fetiche aparece na análise como uma descoberta subsidiária. (S. FREUD, 1927, p. 155)
Freud descreve a relação entre a ideia de anormalidade (de um fetiche) e a sensação por parte do sujeito perverso de que esta anormalidade não é uma doença que traz sofrimento. Ou seja, o sujeito denega o que, por exemplo, para um neurótico seria motivo de muito sofrimento.O perverso também geralmente usa sua fala para manipular o outro. Na visão clinica não é tão simples que o perverso saiba de fato lhe dar com sua angustia, por isso existe a necessidade da existência de um parceiro, pois a perversão é estabelecida através de parcerias, por isso o neurótico é o mais comum como parceiro de um perverso. O perverso necessita de uma montagem ou a criação de uma cena perversa, para que as coisas funcionem exatamente como ele quer e espera.
É bem comum o asco pelo perverso, porém ao mesmo tempo existe uma fascinação das demais pessoas, já que os mesmos sabem lidar com aquilo que os neuróticos (dentro da normalidade ou obsessivos) se embaraçam normalmente.
Freud em os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905) diz que a neurose é o negativo da perversão, porém em estudos posteriores Lacan se contrapõe a essa afirmação em sua coletânea dos seminários.
Já sabíamos através de muitos estudos que todos temos traços neuróticos dentro da normalidade, mas hoje conseguimos visualizar que existem subjetividades perversas em pessoas ditas normais.
Diante da ampla disseminação das tendências perversas, agora reconhecidas, fomos impelidos ao ponto de vista de que a disposição para as perversões é a disposição originária universal da pulsão sexual humana, e de que a partir dela, em consequência de modificações orgânicas e inibições psíquicas no decorrer da maturação, desenvolve-se o comportamento sexual normal (FREUD, 1901- 1905, p.108).
A perversão visada por Lacan, traz no Seminário 4 – A relação de objeto (1956-1957) e no Seminário 5 – As formações do inconsciente(1957-1958)relações ao complexo de édipo.
No Seminário 4, o teórico nos mostra claramente que a visão dele é que Nenhuma estruturação perversa, por mais primitiva que seja é articulável senão como meio, cavilha, elemento de alguma coisa que, afinal de contas, não se concebe, não se compreende, não se articula senão no, pelo e para o processo, a organização, a articulação do complexo de Édipo."Lacan se opõe as concepções da perversão ligadas diretamente ao édipo, quando Freud diz que a perversão seria o negativo da neurose, Lacan ressalta que esse estudo seria uma má interpretação de Freud, pois a perversão e a neurose tem ligação com o complexo de castração e o complexo de édipo.
A estrutura perversa vista por Lacan, se dá pela denegação do interdito paterno, além de ter a recusa em observar à castração da mãe, sendo assim, o perverso, transgrede a lei paterna servindo a outros, e não diretamente ao próprio.
A estrutura é sustentada pelo Édipo que fica na posição da ocupação do objeto do falo ao simbólico, sem saber qual a posição o pai, a mãe e o filho tem, com isso, o interdito do pai passa a se tornar frágil.
Relacionando ao édipo, acontece uma ambiguidade de sua identificação onde uma das escolhas é a cumplicidade libidinal da mãe e a complacência silenciosa do pai. A cumplicidade erótica de sua mãe se manifesta no campo da sedução verdadeira vinda como respostas de reconhecimento que é chamado para o gozo.
A crença da criança se dá ao tocar, ver e ouvir da mãe, mas entra em conflito sobre o desejo da mãe pelo pai fazendo que o pai apareça como um intruso.
Na visão Lacaniana a mãe do perverso não é uma mãe “Fora da lei” e sim uma “Mãe fálica”. Com isso a criança se depara confrontada com o desejo em nome do pai,a imagem dessa mãe fálica determina a relação do perverso com as demais mulheres que virão, e mulher que entra no lugar da mãe fálica será fantasiada como “uma mulher ideal”, sendo assim podemos perceber que o perverso, ainda assim, continua a se proteger da mãe com um possível objeto de desejo.
O que também pode acontecer é a mulher encarnar a mãe desejável em relação ao falo do pai e assim ficando marcada pelo “horror” da castração.
Compreende-se esta objeção pelo sexo feminino, no perverso, enquanto sexo castrado e fastasmado como uma ferida repelente e perigosa, da qual é preciso se afastar sob pena de perder seu próprio pênis, cedendo ao desejo. Mais ainda, sexo feminino que é preciso maltratar ou sadizar porque tão infame que dá gozo. A mulher desejável e desejante constitui-se assim como um objeto a se evitar de modo absoluto se se quer evitar a perdição, fundamentalmente portanto, a perda e a falta. (DOR, 1991, p. 56)
Lacan em A relação de objeto (1956-1957) traz o fetichismo como um paradigma das formas de perversão como uma oposição de fobia, trazendo um sentido de que as duas tem relação com a questão imaginária da criança em posição do falo materno. A diferença entre fobia e perversão para ele, se difere especificamente na identificação com o falo no complexo de édipo.
A identificação consiste no primeiro tempo, e é normal na visão Lacaniana, por isso o mesmo fala no livro As formações do inconsciente sobre a “perversão primária no plano imaginário”, que denomina como uma etapa estrutural dependente do próprio corpo como unidade da criança. Essa etapa deve ser superada, que só ocorre quando a criança percebe o desejo da mãe. Com esse entendimento a criança passa para o segundo tempo do édipo na castração.
Assim as afirmações de Lacan ligadas a criança é que ela aceita ou não aceita, e o não aceitar leva o sujeito a ser o falo, definindo pela recusa de não ser o “único objeto de desejo materno”, e assim Lacan coloca a perversão como uma estrutura clinica ligada ao fechamento do complexo de édipo.
Deste modo, Lacan traz a reflexão sobre a identidade perversa, na passagem do segundo tempo para o terceiro tempo. Nesse tempo que a figura afetiva paterna aparece no complexo de édipo. O pai aparece ditando a mãe, essa mensagem que o pai passa sobre a mensagem da mãe se submete a uma lei que não é dela.
Na perversão o que ocorre é a mãe que dita a lei do pai, ou seja, para Lacan, "é a mãe que mostra ter sido a lei para o pai num momento decisivo." Se, no segundo tempo, o que é esperado é a entrada do pai como aquele a quem a criança faz a atribuição da privação materna, no caso da perversão isso não ocorre. Não é o pai, mas sim a própria mãe, que aparece como a dona da lei a partir da privação materna.
A privação materna não leva, a um apelo ao pai, isso não acontece como na neurose o que envia essa questão a um terceiro. Disso resulta que o perverso retorna ao que Lacan chama de segurança materna. Isso permite aceitar bem as dificuldades, por ele ter experimentado que é a mãe que é a chave da situação eque ela não se deixa privar e nem despojar que foram elaborados nas teorias sexuais infantis.
Joel Dor (1991, p. 48 - 50) afirma que deste modo o perverso coloca a castração como a existência de um limite com o objetivo de gozo. Com isso aparece de uma existência imaginária ou concreto para o perverso se encerrar quando se depara a castração.
A relação da lei do pai com o perverso se manifesta de acordo com o modo da relação dele com a mãe, esta renegação está diretamente ligada ao desejo da mãe pelo pai, o que para o perverso é inaceitável, essa renegação baseia-se através de construções fantasiosas de materiais que foram elaborados nas teorias sexuais infantis concernindo a lei do pai.
Na estrutura perversa existe um impasse onde a mãe é faltosa por ter desejado o seu pai, ou o pai toma a responsabilidade de ter dado a mãe a ordem de desejo. Sendo assim a mãe é acusada de ser cúmplice da castração do perverso.
A este “horror” visto pelo perverso, que se baseia a uma elaboração da fantasia do perverso em relação a sua mãe “não-carente” está diretamente ligada a passividade do pai enquanto figura paterna. O perverso continua sustentando a fantasia de ser o único objeto de desejo que faz a mãe gozar.
Não há envio algum ao pai como elemento terceiro, mas um retorno para a própria mãe (sempre será assim), como um retorno que só é entendido a partir da negação, porque só pela negação é possível buscar naquilo que o falta, um elemento ou uma garantia da inexistência dessa mesma falta.
Enfim, passaremos ao próximo tema, trazendo ao leitor a questão da perversão com uma visão analítica atual, e onde ela se manifesta na contemporaneidade.
O consumo contemporâneo perverso
O conceito de fetichismo da mercadoria foi cunhado por Karl Marx (1818-1883) na obra-prima intitulada O capital (1867), Marx nos apresenta o caráter que as mercadorias possuem, dentro do sistema capitalista, e o quanto se torna oculto as relações sociais com a exploração do trabalho, processo esse visível em toda sociedade. Lembrando que a célula fundamental do capitalismo é a mercadoria, ela que compões os ganhos capitalistas, mas existem bases que sustentam toda a estrutura. É na produção que tudo ganha vida, onde se extrai um excedente que irá compor o que Marx chamou de Mais Valia e a realização desta Mais Valia se completa na esfera da Circulação ou do Mercado. sem esta duas esferas conectadas o movimento de exploração e dominação do capital é cessado.
O fetichismo em Marx será entendido como objeto ao qual se atribui poder sobrenatural e se presta culto encontrado na natureza ou produzido pelo próprio homem. Termo esse que tem uma similitude ao processo religioso (MARX, 2006, p. 70) – que faz da mercadoria um ente de vida própria, comandando o modo de produção, embora os processos de sua produção e consumo sejam feitos pelo homem. É com esse pensamento marxista em crítica ao sistema que iremos entender o capitalismo como necessidade para alavancar a circulação e realização do valor, a ideologia por de trás desse sistema irá produzir o chamado fetichismo da mercadoria na qual as pessoas estão sempre vendo à necessidade do consumo.
Agora a produção ganha status “autônomo” em relação à vontade humana, as pessoas se vêem necessitadas do consumo, se produz muito mais do que a própria vontade humana necessita é como se as mercadorias ganhassem vida e nos convencesse de que a necessidade dela é de suma importância. Essa mercadoria que ganha vida passa a ser objeto de adoração, ou seja, adoramos nossos automóveis, nossos objetos tecnológicos e desconsideramos o caráter social que os fez.
A sociedade contemporânea, portanto, global apresenta uma traço indissociável, o status de sociedade de consumo. Bauman (1998) afirma de maneira segura que a pessoa antes de fazer parte da sociedade global de consumo, precisa ser a própria mercadoria a ser comprada e desejada, nas condições exageradas aparecem malefícios como a massificação, fenômeno social onde a instigação das pessoas num sentido de necessidade de aquisição de bens de forma incessante. Para saciar os desejos a ideologia consumista busca inseri-los na lógica estabelecida pelo discurso do consumo ao apelar para o lado prazeroso em ter ou poder ter acesso aos objetos expostos e vendidos durante cada intervalo comercial:
Quanto mais elevada a ‘procura do consumidor’ (isto é, quanto mais eficaz a sedução do mercado), mais a sociedade de consumidores é segura e prospera. Todavia, simultaneamente, mais amplo e mais profundo é o hiato entre os que desejam e os que podem satisfazer seus desejos, ou entre os que foram seduzidos e passam a agir do modo como essa condição os leva a agir e os que foram seduzidos, mas se mostram impossibilitados de agir do modo como se espera agirem os seduzidos. A sedução do mercado é, simultaneamente, a grande igualadora e a grande divisora. Os impulsos sedutores, para serem eficazes, devem ser transmitidos em todas as direções e dirigidos indiscriminadamente a todos aqueles que os ouvirão. (...). Os que não podem agir em conformidade como os desejos induzidos dessa forma são diariamente relegados como o deslumbrante espetáculo dos que podem fazê-lo. O consumo abundante é-lhes dito e mostrado, [Televisão] é a marca do sucesso e a estrada que conduz diretamente ao aplauso público e à fama. (BAUMAN, 1998, p.55).
No nível aparente imediato o que ocorre é uma inversão, o sujeito produtor passa a ter uma posição subordinada. O objeto que é criado se torna sujeito da relação e o sujeito passa a ser objeto manipulável tornando essas pessoas semelhantes a máquinas, Marx ao analisar esse processo os define como coisificação. Esse hiper consumismo se torna problema “patológico” quando o sujeito é substituído pelo objeto de consumo, pouco se importa com as pessoas que foram extrair minérios se foram utilizados trabalhos escravos o caráter social é ocultado e a mercadoria se torna objeto de adoração o fetiche, então, se torna símbolo de um triunfo. Freud em três ensaios sobre a teoria sexualidade (1905) contribui com a visão de Marx, a situação só se torna patológica quando o anseio pelo fetiche passa além do ponto em que é meramente uma condição necessária ligada ao objeto sexual e efetivamente toma o lugar do objeto normal, quando o fetiche se desliga de um determinado indivíduo e se transforma no único objeto sexual. Qualquer fetiche remete à mesma estrutura da perversão, pois ele tem sempre uma relação essencial com o lugar de objeto primordial.
Conclusão
Visto que as pesquisas desenvolvidas na esfera da psicanálise nos levaram a concluir que aquilo que as mídias, as revistas, o cinema, a literatura, os jornais, propõem como práticas perversas destorcem o real sentido desta estrutura, ao contrário do que muitos imaginam tal estrutura não devem ser reduzidas as práticas perversas, refletindo doses moralistas.
Essa estrutura segundo Freud inicia-se a partir da infância, pois a criança é um sujeito sexual e constantemente esta aprendendo e experimentando e então se descobrindo. Manifesta-se de forma singular em cada sujeito de acordo com sua própria história e a sua forma de gozo.
A perversão cada vez mais toma forma no nosso dia-a-dia, assim como Marx destaca em seus estudos tal perversões se manifesta claramente quando o assunto esta relacionado ao consumismo, em questão do fetichismo e da satisfação do mesmo. Com o consumo, o sujeito passa a se tornar um objeto de desejo tirando até a sensação de dor e tristeza algo natural do ser humano. O capital prega em todos os momentos que aquilo que consumimos e somos nunca é o suficiente, com isso, é necessário a produção do descartável para que aconteça a manipulação do desejo do outro.
Dentre inúmeros pontos que poderíamos explorar para compreender o estudo da perversão, concluímos nosso trabalho com a afirmativa lacaniana. Lacan traz a nossa leitura que a perversão inicia-se como um mecanismo de defesa contra a sua angustia em ser alimentado pelo seu desejo pela mãe, quando a criança se coloca como objeto fálico para que a falta do outro seja preenchida. A perversão se articula em cima do complexo de castração. Não havendo assim passagem para um terceiro tempo do complexo de Édipo, onde o pai toma o papel de privar impedindo que a castração se torne simbólica ao perverso, pois a falta é enviada a mãe e não ao terceiro. O perverso então quer ver o gozo do outro se fazendo objeto, nesse sentido o perverso se identifica em algo que faz o outro gozar, na teoria Lacaniana o perverso apresenta exatamente aquilo que está recalcado no neurótico, que ele não é a vítima e sim o instrumento.
BIBLIOGRAFIA.
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2. FREUD, S. O Mal Estar na Civilização (1930). 1 ed. São Paulo: Penguin Classic, Companhia das Letras, 2011. Trad. Paulo Cesar Souza
3. FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Ed Standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Imago 1925, Trad. (Tr. Alix e James Strachey
4. LITTLE, M. Ansiedades Psicóticas e Prevenção – Re-gistro Pessoal de uma Análise com Winnicott (1992). Rio de Janeiro: Imago Editora.
5. VALAS’, P. Freud e a perversão (1990). 1 ed. Rio de Janeiro: J. Zahar.
6. LACAN, J. O seminário -A relação de objeto, livro 4 (1957). Rio de Janeiro: J. Zahar, 1995.
7. LACAN, J. O seminário – As informações do inconsciente, livro 5 (1958). Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
8. BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade (1990). Rio de Janeiro: J. Zahar.
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10. MARX, K. O Capital (1996). São Paulo: Nova Cultura. 11. DOR, J. Estruturas e clínicas psicanalítica (1991). Rio de Janeiro: Taurus Timbre
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